Nos últimos anos, estudos de proveniência de matérias-primas, juntamente com o desenvolvimento de análises de isótopos de estrôncio e estudos de ADN, forneceram novas evidências acerca da mobilidade de pessoas e objetos na Europa, na Pré-história recente. Uma avaliação detalhada das matérias-primas disponíveis, tanto a nível local como regional, em cada território, é crucial para compreender a mobilidade e as redes de troca destas comunidades, principalmente nas sociedades do 3º milénio a.C., com base num sistema de “Complexo de recursos”, inserido numa “rede de relações” já inscritas na tradição.

No entanto, só muito recentemente foram iniciados os primeiros estudos petroarqueológicos no SW peninsular, em sítios do Calcolítico da Estremadura Portuguesa, encabeçados pela PI (Patrícia Jordão), cujos resultados permitiram a identificação de vias e modalidades de circulação de rochas siliciosas, a definição dos respectivos territórios de aprovisionamento directo, nos quais se detectou também a presença de matéria-prima regional e de circulação extra-regional, nomeadamente nas lâminas. Saliente-se que estes artefactos, sistematicamente presentes nos sítios calcolíticos, não têm sido alvo de estudos integrados que abordem a origem das matéria-prima, a tecnologia, a morfologia e a função. E com efeito, são as grandes lâminas que potencialmente fornecem mais pistas sobre: 1) as redes de circulação e troca de longa distância, quando suportadas pelo conhecimento prévio do território de abastecimento direto em interseção com o “território tecnológico”; 2) o significado cultural desse “pacote” de importação, ao combinar as variáveis: quantidade, tamanho, técnica de produção e proveniência da matéria-prima.

A bibliografia actual sobre a proveniência de sílex no SW da Península Ibérica é omissa na exploração de dois aspectos importantes que tornam o estudo das lâminas inviável: 1) um conjunto adequado de amostras como referencial geológico; 2) a impossibilidade de aplicação de técnicas analíticas destrutivas a estes materiais arqueológicos.

Para preencher estas duas principais lacunas nos estudos de proveniência em geral, e nas lâminas de sílex em particular, o projecto MOBlades reuniu uma equipa multidisciplinar com conhecimentos aprofundados em Geoarqueologia, com o objectivo de proceder a uma recolha alargada de amostras, desde a Bacia Lusitânica (Centro-Oeste de Portugal) até à Zona Subbética (Sudoeste de Espanha) que pudessem ser correlacionadas com a matéria-prima de dois conjuntos de lâminas de sítios complementares: Vila Nova de São Pedro (Estremadura) e Perdigões (Alentejo), combinando a abordagem clássica petrográfica com técnicas analíticas inovadoras não destrutivas, para determinação mineralógica e geoquímica (Espectroscopia de Micro-Raman e Fluorescência de raio-X). A informação decorrente destes dados juntamente com a análise tecno-tipológica das lâminas dos Perdigões e de Vila Nova de São Pedro no contexto dos respectivos territórios de abastecimento, permitirá desvendar o estatuto cultural destes objectos e as motivações do seu intercâmbio em redes extra-regionais.

O projecto MOBlades espera contribuir, em primeiro lugar, para melhorar a correlação entre matérias-primas siliciosas geológicas e arqueológicas, com base na utilização do mesmo protocolo petroarqueológico, com a componente de análise geoquímica, e produzir uma base de dados geoarqueológica detalhada de matérias-primas siliciosas, crucial para o sucesso de qualquer estudo de proveniência. Em segundo lugar, pretende-se identificar e validar tipos de sílex das lâminas como indicadores litológicos de circulação, cujo valor cultural é intrínseco aos contextos arqueológicos de Perdigões e de Vila Nova de São Pedro, que se tornam assim casos de estudo incontornáveis para a compreensão da mobilidade humana na Pré-história recente do SW Peninsular.

Assume-se que a avaliação da correlação entre o “sílex geológico” e “sílex arqueológico” de ambos os sítios arqueológicos contribuirá irrefutavelmente para a compreensão da mobilidade humana no quadro das redes de troca no 3º milénio a.C. Por último, espera-se que os resultados sejam discutidos em encontros científicos, e partilhados por um público diversificado, em particular nos espaços do Museu Arqueológico do Carmo. Finalmente, os dados geológicos recolhidos neste projecto ficarão disponíveis em base de dados, ligados à plataforma cartográfica europeia Cartosilex. As amostras geológicas, bem como os produtos de debitagem resultantes das atividades de arqueologia experimental, serão integrados na ARQUEOLit, uma litoteca e tecnoteca de acesso aberto, em construção na UNIARQ.