Por Steven D. Emslie

Em 2014, durante a realização de análises de isótopos estáveis ​​em ossos humanos dos Perdigões para testar a variação na dieta entre os indivíduos, uma análise de rotina de mercúrio foi igualmente realizada. Essa análise levou à descoberta de níveis incomuns e altos de mercúrio total (THg) no osso, que eram demasiado elevados para serem resultado da dieta (Emslie et al. 2015). A única fonte provável era o cinábrio, ou sulfeto de mercúrio (HgS), que estava presente em algumas das sepulturas e era usado como pigmento vermelho brilhante em rituais funerários. Desde então, análises subsequentes revelaram que os valores de mercúrio são mais altos em ossos humanos que datam do final do Neolítico até o Calcolítico, e se tornam muito baixos ou indetectáveis ​​em enterramentos do final do Calcolítico e Idade do Bronze.

Uma questão que surgiu no início desta pesquisa foi se o mercúrio acumulado nos ossos humanos resultava da mineração e exposição ao cinábrio em vida (fonte biogénica), ou se o cinábrio colocado nas sepulturas, fossas e hipogeus penetrou quimicamente no solo com mercúrio a contaminar no osso após a morte (fonte diagenética). Até agora, todas as evidências indicam uma fonte biogénica para este mercúrio, porque altos valores de mercúrio foram medidos em ossos de enterramentos com e sem cinábrio associado, ossos de animais dos mesmos locais consistentemente têm valores de mercúrio muito baixos e padrões de deposição de mercúrio por elemento esquelético estão a emergir quando vários ossos do mesmo indivíduo são analisados. Em mais de 80% dos casos, o úmero tende a ter mais mercúrio no interior do que outros elementos do esqueleto, talvez por causa da maior remodelação óssea pelo uso pesado dos braços durante a vida (Emslie et al. 2019).

Para abordar a hipótese diagenética com mais detalhe, estamos a conduzir as primeiras experiências contoladas usando pó de cinábrio em ossos de animais enterrados em diferentes contextos e condições ambientais. Começámos analisando primeiro o conteúdo de mercúrio em ossos de animais modernos selecionados para a experiência. Os ossos são então enterrados com o solo ao seu redor, que também é analisado quanto ao mercúrio antes do início da experiência. Em seguida, o pó de cinábrio é polvilhado ou pintado sobre os ossos que ficam enterrados por um ano. Depois os ossos são escavados e analisados para identificar o seu conteúdo em mercúrio. Dessa maneira, podemos determinar se o cinábrio se decompôs quimicamente e permitiu que o mercúrio penetrasse e se depositasse no osso interno por meio de processos diagenéticos. Estamos ainda a planear expandir este estudo para incluir ossos de animais jovens e adultos (o osso juvenil é subdesenvolvido e mais poroso, portanto, mais suscetível à diagénese). Atualmente, os ossos enterrados numa fossa previamente escavada nos Perdigões (Fossa 50) em Maio de 2019 não puderam ser recuperados em 2020 ou 2021 devido à pandemia e serão removidos e analisados ​​em 2022. Experiências adicionais serão iniciadas nessaaltura também, utilizando ossos de animais enterrados com cinábrio em vários sítios arqueológicos em Portugal.

 

Referências

Emslie, S. D., Alderman, A., McKenzie, A., Brasso, R., Taylor, A., Molina Moreno, M., Cambra, O., González, A., Maria Silva, A., Valera, A., García Sanjuán, L., & Vijande Vila, E. (2019). Mercury in archaeological human bone: biogenic or diagenetic? Journal of Archaeological Science: DOI: 10.1016/j.jas.2019.05.005.

Emslie, S. D., Brasso, R., Patterson, W., Valera, A. C., McKenzie, A., Silva, A. M., Gleason, J. D., & Blum, J. D. (2015). Chronic mercury exposure in Late Neolithic/Chalcolithic populations in Portugal from the cultural use of cinnabar. Scientific Reports 5: 14679. DOI:10.1038/srep14679.

 

Citação:

Emslie, S. (2021), Experiência diagenética com cinábrio enterrado com ossos de animais nos Perdigões, Pequenas Notas, www.perdigoes.org